Por: Edair Canuto da Rocha
Professor da Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA
A população Santarena está retomando aos poucos a vida social, apesar de receosa pelo fato
da pandemia da Covid-19 não ter acabado. Outro fato que vem preocupando bastante a
população santarena é a vinculação na mídia dos possíveis casos da Síndrome de Haff,
provocadas por algumas espécies de peixes da região como o Pacu, o Tambaqui e a Pirapitinga.
A Síndrome de Haff, também conhecida como “doença da urina preta”, é uma síndrome ainda
sem causa definida, caracterizada por uma condição clínica que desencadeia o quadro de
rabdomiólise com início súbito de rigidez e dores musculares e urina escura. Apesar de todos
os casos suspeitos estarem aguardando resultados laboratoriais para a devida comprovação, já
é possível verificar os impactos que as matérias divulgadas pela imprensa tem causado na vida
dos ribeirinhos e dos empresários locais. Com o objetivo de levantar dados sobre o impacto da síndrome de Haff junto aos pescadores das comunidades ribeirinhas do baixo amazonas no município de Santarém-Pará, foi realizada uma pesquisa qualitativa e exploratória com pescadores, pescadoras e empreendedores locais. Dentre as comunidades visitadas estão: Igarapé do Costa, Carapanatuba, Piracãoera de cima, Piracãoera de Baixo, São Ciríaco, Ponta do Sururiaçu, Pixuna do Tapará, Santana do Tapará, Costa do Tapará, Santa Maria do Tapará, Barreira do tapará, Correio do Tapará.
A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas que tiveram duração de 15 a 30 minutos. Em relação aos pescadores das 12 comunidades que fizeram parte da entrevista, o registro compreendeu questões como o grau de instrução, a representatividade da atividade pesqueira na composição da renda familiar, a frequência do consumo de pescado nas refeições durante a semana, o grau de conhecimento sobre a Síndrome de Haff, o impacto da síndrome no cotidiano das famílias e as expectativas dos pescadores em relação ao governo e outras instituições como medidas de enfrentamento.
Quanto ao perfil dos respondentes verificou-se que 60% são do sexo Masculino e 40% do sexo Feminino, com idade entre 18 e 60 anos e possuem grau de instrução no ensino fundamental e médio, na proporção de 75% e 25%, respectivamente. A atividade de pesca tem a maior representatividade na composição da renda familiar dos
pescadores. Cerca de 60% dos entrevistados vivem exclusivamente da pesca para suprir suas necessidades básicas de alimentação, vestuário, higiene e limpeza, saúde e educação. Os outros 40% tem suas rendas compostas por atividades pesqueiras, agricultura familiar e benefícios como bolsa família e aposentadorias.
Vale ressaltar que as atividades de agricultura familiar são possíveis somente no período da vazante dos rios.
Com a divulgação da mídia dos casos relacionados a Síndrome de Haff ou Doença da urina preta, as espécies como Pacu, Pirapitinga e o Tambaqui, estão na lista dos peixes possivelmente causadores da doença. Este fato gerou medo na população Santarena que deixou de consumir o pescado, causando um colapso na atividade de comercialização dos peixes.
Apesar da mídia deixar claro as espécies com restrição de consumo, grande parte da população deixou de consumir peixe nas refeições, provocando queda de 90% no fluxo de clientes nos mercados. Para os pescadores que vivem exclusivamente da pesca a situação ficou bem difícil. Quando questionados sobre a Síndrome de Haff, 70% dos respondentes afirmaram ter conhecimento da doença, mas não acreditam que os rios da região estejam contaminados e seguem consumindo os peixes normalmente, incluindo as espécies em restrição.
Apesar dos riscos de uma provável contaminação, essas famílias têm o habito de consumir peixes em suas principais refeições sete vezes por semana. Neste sentido, assumir os riscos tornou-se uma questão de sobrevivência.
Os demais 40% dos entrevistados que acreditam na existência da doença, seguem consumindo os peixes evitando as espécies em restrição. Estão entre aqueles que não tem a atividade de pesca como a única fonte de renda familiar, possuem alguma atividade ligada a agricultura familiar como o plantio de feijão, e possuem algum benefício como bolsa família e aposentadorias, o hábito de consumo de peixe nas principais refeições variam entre quatro e cinco vezes por semana.
Considerando a real situação causada pela Síndrome da Haff no cotidiano das comunidades ribeirinhas, foi possível observar além do impacto financeiro, o abalo no campo psicológico que se apresenta na maioria dos entrevistados. Relatos de pescadores que não vem dormindo de forma tranquila preocupados em como prover o sustento da família, até que os estudos comprobatórios das reais causas da contaminação dos peixes sejam concluídos. Percebeu-se que a relação com a impossibilidade de trabalhar e a falta de demanda para a comercialização das espécies não restritivas tem potencializado o fator psicológico dos pescadores.
O apoio da Colônia de Pescadores e Pescadoras Z-20 de Santarém, Doações por meio das ONG´s e Auxilio por parte do Governo estão dentro das principais perspectivas para o enfrentamento da crise. Para isso, o envolvimento dos pescadores e pescadoras nas reuniões, debates e regularização junto a Z-20 é fator importante para os possíveis encaminhamentos. Outro aspecto da pesquisa está relacionado aos dados levantados junto ao empresariado local no ramo de peixaria e restaurante que também vem sentindo bastante os efeitos provocados
pelos noticiários da síndrome. Entre os estabelecimentos visitados estão as peixarias Piracatu, Piracema e Rayana. O impacto da síndrome de Haff nos negócios e as estratégias de enfrentamento foram os principais
pontos da entrevista.
Peixaria Piracatu – Santiago Lemos e Soraia Lemos. A peixaria Piracatu é uma empresa tradicional no mercado santareno. De acordo com os proprietários o Sr. Santiago e a Sra. Soraia o impacto de 89% nas vendas provocado pela síndrome de Haff tem preocupado bastante a continuidade do negócio. Para melhorar o fluxo de caixa e não fechar as portas devido ao baixo fluxo de clientes, a estratégia foi a inclusão no cardápio da venda de pratos feitos (PF). Além dos PFs, pratos feitos de outras espécies como Pescada, Surubim e Pirarucu ainda são consumido no estabelecimento, mas percebe-se um certo receio por parte dos clientes. Tão logo seja comprovado cientificamente as causa da doença, os empresários apostam em estratégias de marketing de relacionamento para retomar a confiança dos clientes e aumentar o fluxo de clientes no estabelecimento.
Peixaria Piracema – A peixaria Piracema é destino certo de turistas e da população santarena que apreciam a culinária local feita de pescados. D. Vera Lúcia, sócia da empresa, relatou o momento de turbulência que vem enfrentando desde que foi noticiado possíveis casos da Síndrome de Haff na região. Segundo a empresária houve um impacto direto nas vendas de 30% que afetou o fluxo de caixa do empreendimento. Para manter o negócio a empresária suspendeu de forma imediata a oferta de seus pratos feitos de tambaqui, espécie em restrição de consumo, e ampliou a oferta de pratos feitos de filé de carne em seu cardápio. D. Vera se vê otimista no enfrentamento de mais esse momento turbulento e segue atuando normalmente e mantendo inclusive seu quadro de funcionários.
Peixaria Rayana – Uma das maiores peixaria de Santarém e responsável por gerar emprego e renda para 40 famílias, também vem sentindo o baixo fluxo de clientes, que com receio da provável contaminação de algumas espécies de peixes da região, deixaram de consumir e frequentar o restaurante. Ana Caroline, uma das proprietárias, relatou o cenário não muito favorável para o negócio. “Houve uma queda nas vendas de aproximadamente 80% em nosso estabelecimento”.
“Durante a pandemia em que era necessário manter a segurança de nossos clientes, evitando aglomerações e respeitando as medidas restritivas de biossegurança, tivemos um aumento na venda por delivery, ampliamos nosso serviços de entrega e foi possível superar a crise imposta pela pandemia. Agora com a Síndrome de Haff, o impacto foi muito maior. Relatou, Ana Caroline. Devido ao baixo consumo dos pescados, estamos ampliando nossos pratos de carne e estudando a possibilidade de incluir a galinha caipira em nosso cardápio. Nossa preocupação com nossos fornecedores nos levou a estabelecer parcerias das aquisições onde o pagamento é
feito de acordo com as vendas. Na última semana já tivemos uma melhora no fluxo de clientes devido aos aumento de turistas visitando nossa cidade, mas percebemos a população santarena muito receosa ainda.
Enquanto os estudos sobre a Síndrome de Haff nas espécies de peixes da Região não forem conclusivos, o cenário para as famílias dos pescadores e pescadoras continuará caótico e a retomada do aumento do fluxo de clientes nos estabelecimentos incerto.
Discussion about this post